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O Futuro Idealizado e a Fuga do Presente

  • Foto do escritor: Douglas Barboza
    Douglas Barboza
  • 10 de fev.
  • 3 min de leitura

Desde que a humanidade deixou de ser nômade e passou a construir a sua vida em locais fixos, por conta do desenvolvimento da agricultura, iniciou-se um processo de mudança na nossa relação com o tempo. Havia naquele momento a necessidade de se aguardar que as sementes crescessem e dessem frutos, grãos, entre outros alimentos para a manutenção da sobrevivência. Junto a isso, o nosso conhecimento sobre astronomia evoluiu ao longo das eras, e a partir disso criamos calendários baseados na posição das estrelas, do sol, das estações do ano. Todas essas concepções foram construídas no decorrer de milhares de anos até chegarmos aonde estamos hoje. Mas uma coisa em particular se tornou cada vez mais presente à medida que a humanidade se desenvolveu, especialmente nas sociedades modernas: a idealização do futuro em detrimento do presente, ou a vida como a expectativa do inalcançável.

Esse comportamento e forma de organização psíquica é parte da nossa rotina: Acordamos, estudamos ou trabalhamos realizando planos para o futuro e – muitas vezes – ignorando o nosso presente e as possibilidades existentes nele. Seja por conta das dificuldades financeiras existentes, no trajeto, no trabalho ou em casa nos momentos de descanso possíveis, tentamos ao máximo nos alienar sobre o presente. Se por um lado existam situações nas quais isso possa parecer a única saída para lidar com a brutalidade da vida, há também nisso certa forma de risco, pois faz com que a vida seja vivida em "stand-by", sempre aguardando algo que muitas vezes é apenas uma idealização, uma utopia criada para que não exista o confronto com a zona de conforto. E aqui gostaria de fazer um paralelo: não entendo "zona de conforto" como algo positivo, aconchegante. Vejo essa expressão como um sinônimo de viver dentro de uma limitação às vezes autoimposta e às vezes condicionada pela vida externa, visto que, grande parte do que está sendo problematizado nesse texto pode ter como causa elementos externos como pobreza, psicopatologias, questões de gênero, raça e demais contextos e mecanismos de opressão que não devem ser ignorados nessa configuração da vida. Dito isso, essa idealização e vislumbre do futuro, por mais que seja parte da humanidade, precisa ser repensada para que possamos retomar o contato com as nossas relações e com a nossa realidade, para que o processo de vivência não seja alienado, pois, essa alienação pode também trazer o adoecimento psíquico. Ou seja, mesmo que grande parte desse processo possa ser motivada por questões que, muitas vezes fora do nosso controle, levariam ao adoecimento psíquico, não há na fuga nenhuma garantia de proteção. Há, portanto, a necessidade de ressignificação do presente para que possamos aprender a lidar com ele de forma mais autêntica, entendendo que a vida acontece no aqui-agora. aprendermos a lidar com ele sem utilizar a idealização do futuro como um mecanismo de defesa da realidade. Uma outra reflexão que eu gostaria de fazer acerca deste tema é à respeito das próprias "soluções" para essa problemática da alienação do presente. Porque se há uma questão que envolve o sofrimento e possível adoecimento psíquico nesse mecanismo de defesa de não se lidar com a realidade, quais seriam então as formas de ressignificar o presente e de lidar com ele de forma autêntica?

Dentro da minha prática na clínica, gosto sempre de reforçar alguns aspectos que são muito importantes dentro de qualquer processo terapêutico, que é o protagonismo e autonomia de cada um para tomar as rédeas da própria vida sem ignorar o contexto sociocultural no qual vivemos. Não acredito que exista uma solução individualizada para problemas de origem social. A adequação às expectativas externas ou a vida dentro de um script não são necessariamente "referências" do que é a saúde mental. Desta forma, gosto de pensar bastante no que nos é possível, em quais são as ferramentas que cada pessoa pode utilizar para lidar com as suas próprias questões, no caso deste texto, referentes ao futuro e a como vivem as suas vidas. Se há um sentimento de espontaneidade nas suas relações pessoais, na sua relação com o trabalho e nos processos de autorreflexão. O autoconhecimento, a noção dos próprios limites e de quais são os possíveis agentes que geraram esses limites são fundamentais para um processo de busca pela autonomia e para sustentar as decisões pensando na vida como ela é, mas também na vida como ela pode ser.

É impossível excluir-se do contexto cultural em que se vive, então não há, de certa forma, uma maneira de simplesmente não passar por crises existenciais (de quaisquer origens possíveis). Mas acredito sim que seja possível o fortalecimento de si mesmo para que esse desafio seja mais suportável, que pensar no futuro, fazer planos e coisas do gênero não sejam processos alienados, formas de evitar lidar com o presente e com os problemas que possam fazer parte da vida.

 
 
 

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